Absalão teria na Capital do Sertão da Paraíba uma importante missão a cumprir: executar o funcionamento do motor que fornecia energia para toda a cidade. Sua esposa, por sinal uma mulher de beleza invejável, trazia consigo um gênio forte e desumano. Pacato como sempre foi, ele aceitava os caprichos reprováveis da companheira, como quem pratica um grande sacrifício para manter um comportamento exemplar em meio à sociedade. A maior vítima da mulher malvada passou a ser justamente a pequenina que era verdadeiramente uma criada, responsável pela execução das tarefas de casa. Vivia em uma espécie de prisão e passava por constantes sessões de tortura, valendo citar ainda que além da pancadaria, promovida constantemente contra a indefesa, Domila chegava até mesmo a sentar sobre o seu corpo para entoar músicas, acompanhada de seu violão. Se por acaso não concordava, o homem do motor da luz aceitava as referidas práticas e, aos poucos, a tragédia passava a ser apenas uma questão de tempo.
Em 10 de outubro, de 1923, por volta das 18:00 horas, cumprindo uma trajetória diária, Domila saiu de casa e seguiu ao encontro do esposo, com quem palestrou até às 22:00 horas, momento em que o equipamento fora desligado e os dois regressaram para dormir. Ao deixar a residência tinha sempre uma frase repetida endereçada à criança, no sentido de que após lavar a louça e organizar outros espaços da casa, fosse dormir.
Atraída pela algazarra das meninas de sua idade residentes na então rua da Pedra, a pobre inocente, após cumprir a tarefa, abre a janela e fica a contemplar as brincadeiras. O sono bate e, displicentemente, dirige-se para a rede, esquecendo-se de fechá-la, o que seria um álibi de Domila, para espancá-la de forma brutal, utilizando-se da trave de madeira usada como taramela, culminando com o massacre.
Com o crime concretizado o casal passou a viver um momento terrível, que, por incrível que pareça, criava-lhe maior preocupação não por conta do assassinato, mas por temer a reação pública. Naquele momento, em plena madrugada, já era traçado o plano de desova e, conseqüentemente, a distorção da verdade. Absalão buscava um meio de livrar-se do corpo da menina, contratando uma viagem no caminhão de Zé Vicente, cujo motorista era conhecido como Hindú e morava na mesma artéria. Francisca era levada em um saco de estopa e jogada no sítio Trapiá, em um ponto ermo, sem que o condutor do carro fosse informado ao certo que tipo de missão estaria sendo desenvolvida, já que anteriormente soubera apenas que o casal seguia com destino à residência de amigos para entregar uma encomenda, e, lá chegando, lhe orientara a aguardar o retorno em uma estrada vicinal. No dia seguinte, enquanto Domila espalhava que Francisca havia desaparecido, Absalão encenava uma procura frustrada.
Em 13 de outubro, ou seja, dois dias após o fato, o corpo franzino era localizado pelo rurícola Inácio Lazário, que atraído por urubus e pensando que alguma criação teria perdido a vida, se deparou com os restos mortais da menina Francisca. Tratou de registrar o fato junto ao delegado Antônio Fragoso, que substituía o titular Vicente Jansen, o qual determinou a transferência do cadáver até a delegacia onde foi feito o reconhecimento por membros da comunidade e logo após o enterro. A essas alturas, os boatos na cidade já não deixavam nenhuma dúvida, em meio à população, quanto a autoria do assassinato de Francisca, que teve entre outros ferimentos o crânio fraturado e um dos braços quebrados. Protegido por grandes nomes da política o casal não chegou a ser preso, mas não suportando a revolta popular teve que ser transferido para a cidade de Campina Grande.
No local onde encontrou o corpo da criança, o agricultor Inácio Lazário, fincou uma cruz de madeira simples que passou a servir de orientação. As pessoas que por ali passavam, mantendo uma tradição religiosa, rezavam algumas orações em sufrágio da alma da inocente.
Um certo dia, munido pela fé cristã, o agricultor José Justino do Nascimento, trafegando na área e meditando sobre a grande seca que abalava a região, provocando a morte de animais e sofrimentos nos humanos, resolveu rezar um pouco e endereçar um pedido a Deus por intermédio da pequena mártir. Bem próximo do local resolveu cavar uma cacimba e encontrou água suficiente para salvar seu rebanho. Como pagamento da promessa construiu uma capela, a qual foi inaugurada em 25 de abril de 1929. Vale salientar que o líquido precioso da mesma fonte foi suficiente para tocar a referida obra.
Com o surgimento da Capela começava também a romaria, que mais tarde seria o ponto de maior convergência de peregrinos e fiéis do Estado da Paraíba. Entre os possíveis milagres atribuídos à “Menina Francisca” o mais surpreendente foi narrado por um americano que veio a Patos trazendo uma réplica dos seus pés, na época em que sofria de uma grave doença. Dona Odília, moradora do Sítio Trapiá, que zelou a capela por mais de 50 anos, sempre contava o fato com muita emoção. Segundo ela, “Este cidadão dos Estados Unidos, havia sonhado com a menina, informando que a sua cura estaria nesse ponto de romaria, localizado em Patos e para tanto bastaria que através da fé prometesse que levaria o ex-voto até o local. Pacto firmado, graça alcançada e promessa paga”.
Somente onze anos depois do crime, o primeiro julgamento do casal veio a se concretizar, graças à determinação do Juiz Luiz Beltrão, que desengavetou o processo e mandou que os dois fossem presos em Campina Grande. No primeiro Júri que não condenou o casal, ocorrido em 15 de junho de 1934, funcionou na defesa o Advogado José Tavares, na acusação o promotor Alfredo Lustosa Cabral e foram jurados: Francisco Olídio Wanderley, Antônio Chaves, Sabino José Viana, Virgílio Barbosa e Oscar Medeiros Torres. Em 24 de outubro o casal voltou ao banco dos réus, na sessão presidida pelo Juiz Manoel Maia de Vasconcelos. O promotor foi Antônio Dantas de Almeida e na defesa funcionaram os advogados José Tavares e Plínio Lemos. Os jurados foram: Laurênio Lauro de Medeiros Queiroz, José Caetano dos Santos, Anésio Ferreira Leão, João Olintho de Mello e Silva e Alcebíades Alves Parente, os quais decidiram pela absolvição, também por unanimidade. O último júri aconteceu em 05 de junho de 1935, presidido pelo Juiz Edgar Homem Siqueira, tendo na promotoria Antônio Dantas de Almeida e na defesa os advogados Plínio Lemos e Francisco Wilson da Nóbrega. Os jurados foram: Bossuet Wanderley da Nóbrega, Pedro da Veiga Torres, Raimundo Pires Braga, João Norberto da Nóbrega e José Permínio Wanderley, prevalecendo a mesma decisão anterior. Mesmo sendo inocentado pela justiça, o casal jamais foi perdoado pela população.
Décadas depois de inaugurada a capela, a estrutura já não chegava a comportar os ex-votos, provindos de todos os pontos do Brasil, como testemunhos dos mais diversos milagres ou graças alcançadas. Começava então uma batalha pela concretização de um projeto amplo, capaz de abrigar não apenas a religiosidade, como também o aspecto turístico, criando divisas econômicas para a Capital do Sertão. O então deputado Federal Edivaldo Motta comprou a briga com o Governo do Estado para a edificação do parque, o que só veio a ser concretizado com o ingresso de Ronaldo da Cunha Lima, no Palácio da Redenção. Em 24 de outubro de 1993 a obra foi entregue à cidade, com duas ausências por demais lamentadas: Dona Odília, que dedicou sua vida a antiga construção e o parlamentar que mais trabalhou pela sua consolidação. Os dois já haviam falecido.
O então prefeito Antônio Ivânio Ramalho de Lacerda, responsável pelas despesas de elaboração do projeto e desapropriação do terreno que serviria de estacionamento, propôs que a administração do parque ficasse a cargo da Diocese, o que não foi aceito pela Igreja, sob a alegação de que a menina não era beatificada. Neste momento registrou-se duas contradições: o comportamento de religiosos da mesma organização, em outros pontos idênticos, usando como exemplo o Padre Cícero Romão Batista do Juazeiro-CE, que como Francisca e os demais candidatos a santo do Brasil não haviam conseguido tal estágio, junto ao Vaticano e a atração de membros católicos da própria cidade de Patos, a partir da construção da Igreja de Santa Cruz, ao lado do Parque, como fruto da iniciativa do padre Jair Jacob Tomasella. Mais tarde, porém, prevaleceu o bom senso, e antes mesmo da conclusão do templo católico, o aceite da Diocese para tocar adiante as atividades do local foi concretizado.
Nos dias atuais, a Igreja já leva a efeito algumas celebrações dentro do complexo, o que no passado, somente o Padre Noronha, de saudosa memória, se arriscava a fazer. Dizia ele: “Celebro em qualquer canto porque Deus está presente em todo lugar”.
O Parque Turístico Religioso Cruz da Menina é composto de um anfi-teatro, cobertura em forma de pirâmide que protege a parte central onde estão a capela e duas salas de ex-votos, um restaurante, dez lojas de souvenir, espaço para a administração e posto policial. O ambiente é bem arborizado, agradável e atraente, chegando a ser considerado um dos pontos de maior visitação do Nordeste.
Presume-se que mais de 100 mil pessoas passem pelo parque anualmente e com a realização de algumas festas tradicionais, a exemplo de Pentecostes, o fluxo vem aumentando consideravelmente. O local é também parada obrigatória para os romeiros de vários Estados que se deslocam para o Juazeiro do Padre Cícero, principalmente no final de outubro e início de novembro.
Além dos folhetos comercializados no parque, os quais descrevem a história completa desde a sua origem, em 1993 a Lucena Publicidades produziu um filme em VHS, com a participação de 28 atores e mais de 100 figurantes, com duração de uma hora e onze minutos, sendo que todos os cenários e artistas são originários de Patos. Também foi editada uma revista, totalmente ilustrada, com todos os detalhes do episódio, além da disposição para um possível processo de beatificação junto ao Vaticano.
O Parque também se destaca por gerar mão-de-obra e renda. Além dos artesãos e empresários que lá atuam, a população pobre da Vila Mariana, uma comunidade situada ao lado, encontra ocupação e lucratividade na venda de velas e funcionamento de alguns estabelecimentos que comercializam lanches e bebidas.
Para saber mais sobre a história de Patos adquira a II edição de Patos em Revista. Na publicação da 2ª Edição, “Patos em revista” vem com 260 páginas, informações e estatísticas sobre todos os setores da Capital do Sertão da Paraíba, ilustrada com mais de 1.200 fotos, fazendo uma viagem desde o início do século XVII até os dias atuais.
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O MaisPatos.com estará postando durante os fins de semana “Fatos e Fotos” que resgatam a história e a cultura do povo patoense.
SAOBENTOAGORAPB Com MaisPatos/Patos em Revista
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